Li esse livro no intuito de
conhecer o caminho, a história da oração na humanidade e não tanto o ato de orar.
Dentre tantos teólogos e estudiosos das religiões, Donald Spoto foi um desses
acasos perseguidos que proporcionaram desvelar a história da oração. Perseguidos
porque há muito tempo buscava duas biografias que desvelassem de forma
concreta a vida de Francisco
de Assis, sem a aura do santo e de Norma
Jean sem as teorias da conspiração e do mito louro. Spoto correspondeu às
minhas expectativas. Isso me levou a Em Silêncio Por que Rezamos.
Claro, que ingenuamente esperava
que ele escreveria sobre o porque rezamos sem expor sua fé. Erro meu, mas no
inicio do livro, ele honestamente se identifica citando seu lugar como
católico. Óbvio que seu doutorado em Teologia já pressupunha um lugar na religiosidade,
portanto a historicidade da oração ficou num segundo plano e ao ler o porque
rezamos, fiz o esforço do pesquisador de ater-me ao meu interesse: a história
da oração e evidentemente vinculada ao ato de rezar, mas não atendo-me à uma divindade.
Ele inicia o livro
contextualizando o ato de rezar e em licença poética inclui até as atividades
de ateus (nós) análogas a esse ato, rito. E para por aí. Em todo o livro,
claro, ele remete ao D’us judaico-cristão, fonte de sua fé. Sim, ele faz pontuações
sobre o Budismo, Taoísmo, manifestações de povos nativos da América, África e
Ásia, ilustrando como a oração se manifesta nesses povos, mas sua referência é
a doutrina judaico-cristã em função dos registros históricos escritos que construíram
o conceito de oração na história do ocidente.
Gosto sempre das referências
concretas que trazem, muitas vezes ironicamente, textos de rabinos, santos (humanos
canonizados na igreja Católica), monges indicando no seu tempo suas impressões
e vivencias.
Assim, li com aquela pulga atrás
da orelha todas as manifestações de Spoto remetendo-se a um monoteísmo “aculturante”, simplesmente sendo fiel à sua formação, mas não ofendendo qualquer outra
manifestação. A única vez em que ele o faz, é dirigindo-se ao ateísmo, dizendo
ser impossível não entender a divindade. Só aqui que ele erra. Para entender o
caminho da oração fiz vista grossa.
Ele disseca a oração em doze
capítulos. Ele inicia fazendo um breve relato geral sobre Tempo e Memória de como
surgiu a Oração como Expressão Religiosa, pessoal, passando por várias culturas do
ocidente e oriente, considerando a Oração em Forma de Diálogo em Israel, no
Cristianismo e no Islamismo. E claro, não podemos esquecer que o Judaísmo é a fonte,
gênese do Cristianismo e do Islamismo. Em seguida ele discorre sobre a
oração como forma de Petição, de Perdão, de Sofrimento, de Abandono, de Serenidade,
de Ato de Amor, como Transformação e em forma de Silêncio. Todas contextualizadas
no período histórico e com citações.
Tenho muitos destaques sobre cada
capítulo, mas me aterei a alguns, pois a cada fruição com uma obra, geralmente
criamos outra de nossa autoria. As referências fazem as novas obras. Não há ato criativo ou interpretativo sem
referência. E aqui, riam, mas reflitam, Deuses não criam do nada, portanto, não
existem, pois “do nada, nada virá”, nos ensina Brecht, assim não podem existir
seres sem raízes, do nada.
Bem, retomando à oração. No
capítulo sobre Forma de Petição, há uma leitura do Pai Nosso incrível, em que
ele contextualiza o D'us judaico como “paternidade ... amorosa e cuidado ... (e
continua) os judeus não pensavam D'us como possuindo exclusivamente o gênero
masculino, e existem alusões, ao cuidado materno de D'us”. Isso é impressionante,
pois podemos no perguntar como D'us se tornou macho, severo, vingativo, ruim, autoritário?
Num outro momento do Pai Nosso, O
pão nosso de cada dia, ele destaca “que é referente a tudo que os homens (detesto
o termo homens e prefiro seres humanos) necessitam para sustentar a sua vida,
não apenas como indivíduos, mas como comunidade, cientes das necessidades dos
outros”. Mais adiante ele cita “Não se pede o excesso, o luxo, e nem somente
para si; pede-se para acordar todos os dias não com desnecessária abundância,
mas simplesmente com previsões para evitar o desespero”. Donald Spoto nos contextualiza
que no período que Jesus viveu, e talvez bastante tempo, o conceito de acumular
ou a miséria absoluta não existiam, sendo que o mais empobrecido, sempre tinha o
que comer, não sendo faminto ou miserável. Ele escreve: “... o significado de
necessidade (...) não previa as terríveis realidades da fome generalizada, que
aflige milhões em nosso tempo. Na época de Jesus, a maioria tinha o suficiente,
poucos possuíam em excesso e a riqueza era muito rara na vida de qualquer
pessoa”.
No capítulo Oração em Forma de Abandono
é significativo o conceito de Mistério, quando ele destaca que “...não significa
algo exotérico e incompreensível, e sim a profundeza de toda a realidade (...) Mistérios
são verdades nas quais estamos incluídos”.
Em Oração em Forma de Serenidade,
destaco o conceito de “capitalismo espiritual”, quando se contabiliza o quanto rezou,
o que conseguiu com as orações e ele destaca que, ao orar, “Não oramos para
encontrar respostas; (...) Nossa tarefa, portanto, é estarmos conscientes do
caminho diante de nós do que da senda trilhada”. E é nesse capítulo que ele comete
seu erro ao exigir como matemática “a existência de um Deus”.
Na Oração em Forma de Amor ele é
coerente com o Evangelho e categoricamente cita: “Nunca ninguém viu a Deus; se
nos amarmos uns aos outros, Deus vive em nós (...) Os que dizem ‘amo a Deus’ e
odeiam seus irmãos e irmãs [isto é, qualquer pessoa] mentem; pois aqueles que
não amam um irmão ou uma irmã a quem viram não podem amar a Deus que não viram”.
E nesse capítulo, inconscientemente,
ele corrige seu erro “contra” os ateus. Aqui ele faz uma citação sem citar a “crença”
em um D'us ou uma Divindade. Ele diz, “Talvez por isso sempre
tenha existido um vínculo entre religião e arte, e seja esse motivo pelo qual
até mesmo pessoas que dizem não possuir sensibilidade religiosa buscam o sublime
na experiência artística (...) E quando percebo que fui tocado e de certa forma
me tornei mais profundo por meio dessa conexão com a fonte criadora (o ser
humano, destaque meu) de toda a vida, posso dizer que estou em meu nível mais
humano”.
Nesse capítulo ele faz a revelação
célebre, inviolável científica e cerne da oração: “A oração pressupõe que
estejamos preparados para assumir responsabilidades, especialmente para os que
sofrem. Há muitas formas e meios para isso, e alguns indivíduos no mundo
moderno juntaram uma profunda vida de oração a uma aliança heroica com os aflitos
e oprimidos de maneira extraordinária (...) Os grandes profetas de Israel, Buda,
Jesus de Nazaré, Maomé não andaram pelos campos clamando abstrações sobre o
significado do amor; aproximaram-se das necessidades humanas e se dedicaram a
elas.” Nesse sentido, oração sem ação é vazia, medíocre, sem substância. Faço
aqui um complemento significativo citando D. Helder Câmara, D. Paulo Evaristo
Arns, D. Pedro Casaldálida, Ir. Doroty, Chico Mendes, Marielle Franco, Lula.
Dilma, Pe. Lancelote, Leonardo Boff, Che Guevara, Fidel Castro, Eduardo
Suplicy, todos seres de ação. Mas que ação? A da distribuição de renda, do
saciar a fome, do encerrar a pobreza, do partilhar. E quem são os medíocres?
Bolsonazi, seus filhos, seus ministros, militares que apoiam a ditadura de 1964/1985,
Malafaia, Macedo, Claudio Duarte, Soares que mentem e sua ação é para o acúmulo
e geração de miséria.
No capitulo a Oração como Forma
de Transformação ao citar a busca da religião como forma de mercadoria, de
consolo espiritual, ele cita porque Karl Marx comparou a religião como ópio,
destacando que “o encontro com Deus não algo reconfortante que acrescentamos a
nosso estilo de vida, como dieta e mais facilitada, ou um regime rápido de
exercícios aeróbicos”. Nesse sentido observo porque pastores e crentes se
afastam de uma religião comprometida com os empobrecidos, com a distribuição de
renda, com a partilha, porque eles querem uma “oração capitalista” de petição
para seus desejos, pasmem: mundano (ler a Economia
do Desejo nesse blog).
Em a Oração em Forma de Silencio
ele distingue dois conceitos que achei fundamentais: a Meditação e a
Contemplação. Ele conceitua a Meditação como método, procedimento técnico, um
passo-a-passo possível em duas formas, a verbal e a mental, sempre vinculada ao
pensamento e ao raciocínio. Já a Contemplação seu conceito “não é um estado psicológico rarefeito
que se possa imaginar, forçar ou exercer (...) A Contemplação, portanto, não é
um método de oração que escolhemos, como podemos selecionar diversas formas de
meditação; a contemplação é a simples consciência de Deus, em silencio e tranquilidade”.
O livro é repleto de conhecimento
significativo advindo de seres humanos ímpares em conhecimento e ação para
repartir e distribuir riqueza, a verdadeira fonte da oração: partilhar a vida
material acabando com a fome, a miséria e o acúmulo de riqueza nas mãos de
poucos para podermos contemplar a vida vivida comunitariamente.
Para meus leitores e amigos, sim,
continuo ateu, mas não ignorante. O subtítulo do livro hoje é para mim: Por que
rezei ou Por que vocês rezam, não posso perder a piada. Também não posso negligenciar
que minha formação Católica na década de 80, com Leonardo Boff, D. Paulo Arns,
D. Helder Câmara, Pe. Miotello, Norli Souza, Nilzo Felisberto, Gladir Cabral na
Teologia da Libertação, muitos dos conceitos de Donald Spoto já estavam em processo
de significação, o que me deixa feliz poder ler um livro de 2004, com tanto
compromisso com a Tradição da Fé. Amo meus irmãos de
Fé, na fé da riqueza partilhada, orada, bendita (e benditos), que gesta vida, e detesto os
crentes, na crença da riqueza acumulada, escondida, sem reza, maldita (e malditos) que gesta a morte.