Ufa!
Nossa!
Fantástico!
Primeiro cabe destacar a importância da série Debates da
Editora Perspectiva que colocou o leitor brasileiro em contato com textos significativos
e pertencentes à Tradição da pesquisa em diversas áreas do conhecimento.
Agora sim:
Ufa!
Nossa!
Fantástico!
Levei quatro meses para ler e compreender o conceito da Cabala.
Levei um mês a mais faltando sete páginas com receio de termina-lo de tão bom. O
livro é repleto de termos judeus, que confesso não memorizei cognitivamente
dentro do conceito de "memorização", mas repassei todo o livro com a essência de
cada palavra hebraica, sempre muito bem conceituada e contextualizada. Destaco também,
que mesmo sendo um livro de fundamentação histórica, li como literatura, mas fugindo do
romantismo ficcional ou do academicismo chato. Não sei se isso é produtivo.
A Cabala e seu Simbolismo inicia com a definição exata: “Cabala
literalmente tradição”. No texto original Tradição está escrita com letra
minúscula e entre aspas. Eu, desde minha especialização em Formação do Ator,
1996/1997, faço distinção entre tradição e Tradição, sendo a primeira com letra
minúscula às falsas fundamentações e a segunda com letras maiúscula à fundamentada
na história, no registro oral, escrito, mas não velada, com perguntas e poucas
respostas, mas sem negar a Tradição. Ambas são divididas por um fio tênue que é indicador de que lado você está: da esquerda ou da direita, dos empobrecidos ou do enriquecidos, da Democracia Civil ou da ditadura em suas facetas: fundamentalismo religioso, militarismo e economicismo de mercado, e a pior de todas, no centro.
Nesse livro, fica desvelado o papel dos cabalistas em trazer
novas luzes ao judaísmo, mas sem negar à Tradição. Isso, o autor traz o conceito
de místico como aquele que inova sem ferir o existente, conforme o autor “um
místico opera dentro do contexto de tais instituições e autoridades
tradicionais”. Sim, desvela o papel da Autoridade Religiosa e dos Místicos. Já
com essas duas citações pinçadas pelo que despertou meu interesse, já me senti satisfeito
com tal vista de um ponto. Destacando que é a vista de um ponto de um judeu, o
autor Gershom G. Scholem. Compreendo que é salutar ler o outro conhecendo
o que ele diz, quiçá em sua língua original. Gershom dedica-se ao estudo nos
escritos do simbolismo da Cabala produzidos pelos rabinos de várias localidades
da Europa. Significativo, pois nos coloca em contato com obras como o Zohar e
outros textos que organizaram o pensamento cabalístico, ou seja, o místico da
Torah, “A lei”. Sim, o judaísmo vive em torno da Torah, seu livro sagrado.
Assim, o judaísmo vai considerar a Torah escrita, aquela que contém o pentateuco:
Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. O judaísmo também reconhece a
Torah oral, ou seja, a lei, repassada oralmente. Com isso, após um certo
período eles registraram a tradição oral em escrita, o Talmude, dado que nesse
processo oral muitas interpretações estavam modificando A lei.
O simbolismo exposto pelo autor é indicador dos “detalhes”
que “A lei” se ramificou, deixando claro a existência do bem, D’us e do “outro
lado”, sem deixar de questionar porque o Bem deixou o “outro lado” existir, tão
pouco o autor se priva e nos traz a doce pergunta quem nasceu primeiro, D’us ou
a Torah. Nessa relação o autor nos traz o aspecto dialético, democrático
citando “O “outro lado”, evidentemente, não pode ser inteiramente derrotado,
salvo numa perspectiva escatológica, e no mundo, tal como é, uma tal derrota total
nem seria desejável (...) o outro lado tem um lugar legítimo nesses ritos, os
quais servem para manter o “outro lado” dentro dos seus devido limites, mas não
para destruí-lo, pois isso só será possível na era messiânica”. Era messiânica
para os judeus será quando o mundo estará em paz e o Messias então habitará
aqui. A ideia de Messias do judaísmo está em preparar o mundo para a vinda D’le,
portanto uma construção do povo judeu, uma sociedade justa. Não, não é uma
dúvida do autor, é uma questão pertinente entre os judeus. Esse elemento, junto
com outras leituras, dentre elas O
livro judaico dos porquês, trouxe-me o caráter democrático entre os judeus
(não com os outros povos).
Toda a Torah fala do poder de D’us e os judeus refletem
sobre isso cotidianamente. Um destaque que faço é o caráter literário do
judaísmo, em que D’us entrega a Moisés as Tábuas da Lei, ou seja, o judaísmo é
uma religião de estudo, do código escrito, do qual o próprio D’us se utiliza.
O simbolismo da Cabala traz boas reflexões a partir do
rabinato até do ser humano criar um ser como D’us o fez, chamado por eles o Golem,
um ser que nunca “dá certo”, pois criado para servir, torna-se perigoso se ultrapassar
um determinado tempo de existência. Há registros de três ou quatro lendas do
exercício de rabinos criarem Golens e todas acabam mal. Esse último capitulo do
livro é muito interessante pois a Cabala e o Judaísmo consideram que a criação
pode criar do barro e da água, mas com estudos e humildade entendem a limitação
frente ao Criador (não esqueçam: eu sou ateu).
A Cabala e seu Simbolismo, para mim que trabalho com o
deslize do conceito (não lembro se esse conceito é de Derridá, Deleuse ou Lyotard)
me proporcionou e solidificou como funcionam as instituições, em particular as
religiosas, tanto no seu caráter estrutural, mas em particular confirmou a
distinção que faço entre Fé, pertencente à Tradição e crença, pertencente à
tradição.
Um destaque sobre o caráter democrático do judaísmo (entre
eles claro) é a criação do Cristianismo. Jesus, o judeu, nunca disse que o
judaísmo era ruim. Como todo bom (e existem) judeu, ele discutia dentro de seu
contexto, da sua Fé na Tradição: debater, questionar. Assim o Cristianismo não
é criação de Jesus, mas daqueles que interpretaram erroneamente o
questionamento do judeu Jesus. Outro fator importante é que um grupo de
judeus muito pequeno que tramaram sua morte, infelizmente dentre eles
autoridades religiosas. O que o deslize de conceito permite que se estenda até às sociedades civis e suas tradições burguesas de mentir, roubar, explorar e concentrar renda, usando a lei a favor dos ilegais, injustos, acumuladores de riquezas produzidas por todos.
E por fim o autor encerra esse estudo fantástico com a seguinte frase: "O Golem tem sido interpretado como um símbolo da alma, ou do povo judeu, (...) mas a tarefa do historiador termina onde começa a do psicólogo".