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sexta-feira, 30 de julho de 2021

Francisco de Assis: Hermann Hesse

Não tinha a pretensão de escrever uma resenha sobre este livro. Sim um achado recentemente publicado de uma monografia (assim se identifica) de Hermann Hesse em 1908.

A apresentação do livro destaca a admiração de Hermann Hesse por Francisco. Salvo a literatura de Hesse, fantástica, pensei que dada a data, as fontes sobre o santo da natureza serem votadas às crendices, no entanto, Hesse escreve brevemente, mas distingue em seu texto o fato das lendas e isso é significativo. Sim porque após ler Francisco: o santo relutante, sobre o ser humano sem as lendas “santificatórias”, mesmo Hesse pareceria ingênuo, e não foi.

Meu contato com Hesse foi cedo, aos 18 anos com Sidarta Gautama. Tão cedo que pouco entendi a literatura e o Buda. Depois, pouco em seguida, O Lobo da Estepe, esse entendi melhor, tanto no estilo literário, uma estrutura diferente de Sidarta, como um personagem contemporâneo e que me formou o Lobo Solitário e solidário de hoje.

Em Francisco de Assis, 2019, no final há um ensaio de Fritz Wagner (não conhecia) sobre como Hesse fundamentou-se para a pequena monografia, agora publicada em língua portuguesa, o que é significativo para quem quer desvelar os caminhos de um bom escritor e como ele estrutura sua expressão escrita.

Esse livro foge a proposta do poucoempouco.com, que proponho subliminarmente ser ”mais demorado” pois li em uma semana e adorei. 


quinta-feira, 22 de julho de 2021

A Cabala e seu Simbolismo

Ufa!

Nossa!

Fantástico!

Primeiro cabe destacar a importância da série Debates da Editora Perspectiva que colocou o leitor brasileiro em contato com textos significativos e pertencentes à Tradição da pesquisa em diversas  áreas do conhecimento.

Agora sim:

Ufa!

Nossa!

Fantástico!

Levei quatro meses para ler e compreender o conceito da Cabala. Levei um mês a mais faltando sete páginas com receio de termina-lo de tão bom. O livro é repleto de termos judeus, que confesso não memorizei cognitivamente dentro do conceito de "memorização", mas repassei todo o livro com a essência de cada palavra hebraica, sempre muito bem conceituada e contextualizada. Destaco também, que mesmo sendo um livro de fundamentação histórica, li como literatura, mas fugindo do romantismo ficcional ou do academicismo chato. Não sei se isso é produtivo.

A Cabala e seu Simbolismo inicia com a definição exata: “Cabala literalmente tradição”. No texto original Tradição está escrita com letra minúscula e entre aspas. Eu, desde minha especialização em Formação do Ator, 1996/1997, faço distinção entre tradição e Tradição, sendo a primeira com letra minúscula às falsas fundamentações e a segunda com letras maiúscula à fundamentada na história, no registro oral, escrito, mas não velada, com perguntas e poucas respostas, mas sem negar a Tradição. Ambas são divididas por um fio tênue que é indicador de que lado você está: da  esquerda ou da direita, dos empobrecidos ou do enriquecidos, da Democracia Civil ou da ditadura em suas facetas: fundamentalismo religioso, militarismo e economicismo de mercado, e a pior de todas, no centro.

Nesse livro, fica desvelado o papel dos cabalistas em trazer novas luzes ao judaísmo, mas sem negar à Tradição. Isso, o autor traz o conceito de místico como aquele que inova sem ferir o existente, conforme o autor “um místico opera dentro do contexto de tais instituições e autoridades tradicionais”. Sim, desvela o papel da Autoridade Religiosa e dos Místicos. Já com essas duas citações pinçadas pelo que despertou meu interesse, já me senti satisfeito com tal vista de um ponto. Destacando que é a vista de um ponto de um judeu, o autor Gershom G. Scholem. Compreendo que é salutar ler o outro conhecendo o que ele diz, quiçá em sua língua original. Gershom dedica-se ao estudo nos escritos do simbolismo da Cabala produzidos pelos rabinos de várias localidades da Europa. Significativo, pois nos coloca em contato com obras como o Zohar e outros textos que organizaram o pensamento cabalístico, ou seja, o místico da Torah, “A lei”. Sim, o judaísmo vive em torno da Torah, seu livro sagrado. Assim, o judaísmo vai considerar a Torah escrita, aquela que contém o pentateuco: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. O judaísmo também reconhece a Torah oral, ou seja, a lei, repassada oralmente. Com isso, após um certo período eles registraram a tradição oral em escrita, o Talmude, dado que nesse processo oral muitas interpretações estavam modificando A lei.

O simbolismo exposto pelo autor é indicador dos “detalhes” que “A lei” se ramificou, deixando claro a existência do bem, D’us e do “outro lado”, sem deixar de questionar porque o Bem deixou o “outro lado” existir, tão pouco o autor se priva e nos traz a doce pergunta quem nasceu primeiro, D’us ou a Torah. Nessa relação o autor nos traz o aspecto dialético, democrático citando “O “outro lado”, evidentemente, não pode ser inteiramente derrotado, salvo numa perspectiva escatológica, e no mundo, tal como é, uma tal derrota total nem seria desejável (...) o outro lado tem um lugar legítimo nesses ritos, os quais servem para manter o “outro lado” dentro dos seus devido limites, mas não para destruí-lo, pois isso só será possível na era messiânica”. Era messiânica para os judeus será quando o mundo estará em paz e o Messias então habitará aqui. A ideia de Messias do judaísmo está em preparar o mundo para a vinda D’le, portanto uma construção do povo judeu, uma sociedade justa. Não, não é uma dúvida do autor, é uma questão pertinente entre os judeus. Esse elemento, junto com outras leituras, dentre elas O livro judaico dos porquês, trouxe-me o caráter democrático entre os judeus (não com os outros povos).

Toda a Torah fala do poder de D’us e os judeus refletem sobre isso cotidianamente. Um destaque que faço é o caráter literário do judaísmo, em que D’us entrega a Moisés as Tábuas da Lei, ou seja, o judaísmo é uma religião de estudo, do código escrito, do qual o próprio D’us se utiliza.

O simbolismo da Cabala traz boas reflexões a partir do rabinato até do ser humano criar um ser como D’us o fez, chamado por eles o Golem, um ser que nunca “dá certo”, pois criado para servir, torna-se perigoso se ultrapassar um determinado tempo de existência. Há registros de três ou quatro lendas do exercício de rabinos criarem Golens e todas acabam mal. Esse último capitulo do livro é muito interessante pois a Cabala e o Judaísmo consideram que a criação pode criar do barro e da água, mas com estudos e humildade entendem a limitação frente ao Criador (não esqueçam: eu sou ateu).

A Cabala e seu Simbolismo, para mim que trabalho com o deslize do conceito (não lembro se esse conceito é de Derridá, Deleuse ou Lyotard) me proporcionou e solidificou como funcionam as instituições, em particular as religiosas, tanto no seu caráter estrutural, mas em particular confirmou a distinção que faço entre Fé, pertencente à Tradição e crença, pertencente à tradição.

Um destaque sobre o caráter democrático do judaísmo (entre eles claro) é a criação do Cristianismo. Jesus, o judeu, nunca disse que o judaísmo era ruim. Como todo bom (e existem) judeu, ele discutia dentro de seu contexto, da sua Fé na Tradição: debater, questionar. Assim o Cristianismo não é criação de Jesus, mas daqueles que interpretaram erroneamente o questionamento do judeu Jesus. Outro fator importante é que um grupo de judeus muito pequeno que tramaram sua morte, infelizmente dentre eles autoridades religiosas. O que o deslize de conceito permite que se estenda até às sociedades civis e suas tradições burguesas de mentir, roubar, explorar e concentrar renda, usando a lei a favor dos ilegais, injustos, acumuladores de riquezas produzidas por todos.

E por fim o autor encerra esse estudo fantástico com a seguinte frase: "O Golem tem sido interpretado como um símbolo da alma, ou do povo judeu, (...) mas a tarefa do historiador termina onde começa a do psicólogo".