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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A Técnica do Livro Segundo São Jerônimo

Comecei a ler este livro no início de 2010 e o terminei seis meses depois. Leio de forma espaçada, diga-se de passagem, bem espaçada. Entre esses espaços inicio outras leituras. A Técnica do Livro Segundo São Jerônimo, tese de doutoramento de Dom Paulo Evaristo Arns é mais que um relato da elaboração de um livro ou mesmo da organização da Vulgata. É a gênese do papel da tecnologia na transformação da transmissão de conhecimento.


Dom Paulo apresenta todo o processo de feitura do livro, o material, o papiro; a Charta/Chartes que designava a unidade da indústria do rolo; Sec III AC;- 1 a. - foglio – Folha; 1 b-Shedina –minuta, pedaços de papel para rascunho; 1 c- arquivi- chartas no plural, arquivos.
pergaminho (A palavra pergamena é encontrada pela primeira vez no começo do século IV) e o papiro. Jerônimo surge na história exatamente no momento em que se passa a luta decisiva entre o papiro e o pergaminho. Mais ainda, se a vitória coube a este último, foi graças ao círculo do Monge de Belém e ao de seus colegas latinos.
 Assim charta significa folha, depois, fichinha (rascunho) e enfim, no plural, arquivos. A escolha entre o
A origem de conceitos como Charta e dictare que chegaram até nós quase que intactos na sua essência. Outro aspecto interessante desta obra é a relação dos escritores entre si, Jerônimo, Agostinho e como trocavam idéias lendo rolos que levados por outros, ultrapassavam grandes distâncias. Além de seus medos de serem plagiados, perderem seus escritos e tendo como interlocutores os copistas, aqueles que reproduzem as cópias. Outro conceito que o tempo não modificou, apenas introduziu máquinas e recursos como copy/cole. E neste universo copista também a preocupação que o escritor/tradutor tinha de que o que ele escrevia seria copiado igual. Ledo engano. O copista às vezes modificava o que se produzia, porque ele também interpretava. E nem sempre o entendimento de uma tradução do escritor, era o mesmo entendimento que o copista tinha. Tanto para a cópia e muitos alteravam o original como para os ditados.
Com este livro, Dom Paulo me mostrou que os recursos tecnológicos de séculos atrás (no caso, século III) o comportamento humano frente a produção mantém-se quase que intacto, dado que entre um monge copista e um estudante que copia e cola da internet, a diferença dá-se em alguns cliques. Também me chamou a atenção foi o processo criador em São Jerônimo, que para não perder uma idéia utilizava pequenos pedaços (shedina) de papiro inaugurando assim a prática dos rascunhos, e com isso o hábito de escrever uma idéia que pode virar um texto. Coisas do hábito de estudo até os dias atuais. Ao ler esta obra em pleno século XXI me vi no século III, escrevendo, guardando idéias, disputando um espaço, num processo em que o teclado e o software assemelham-se aos estiletes, tábuas de cera, penas e papiro na busca de registrar uma idéia e transmiti-la. Também fazem parte do livro uma infindável referência de notas em latim, nem sempre traduzidas.
Recomendo este livro a todos que estão envolvidos com as TICs – Tecnologias da Informação e Comunicação e com as Mídias – Informática, Impressa, Radio, TV e Vídeo, pois ele mostra como o livro mais lido até hoje, a Bíblia – Coletânea de Livros, foi elaborado na transição do uso das tecnologias que envolviam o uso do pergaminho e o papiro como meios de comunicação.

Agora quero falar um pouco sobre o autor. Dom Paulo Evaristo Arns, tirando o defeito em ser corintiano, representa o que melhor podemos ter como referência humana. Nascido em Criciúma, distrito de Forquilhinha, hoje município. Como cardeal da Igreja Católica lutou pelos direitos humanos na ditadura militar, 1964/1985. Solidarizou-se com os empobrecidos, dedicou sua vida aos direitos humanos. Aprendi que o Cardeal Arns, adentrava os presídios e aos pontapés abria as portas das prisões procurando e libertando presos políticos torturados. Cardeal Arns, com Jesus que expulsou com açoite e violência os vendilhões do templo. Jesus libertou o templo de pedra e Cardeal Arns, libertou templos de carne e osso.  D Paulo  Levou a Igreja Católica na América Latina a entender o Cristianismo como fonte de inspiração e transformação social. Penso que ele acrescentou ao conceito de Conversão aos desígnios de Deus o conceito de transformação social, política e econômica, não podendo haver conversão sem justiça social e distribuição de renda. Isso foi imprescindível na vida de Dom Paulo e o tenho com muito carinho. Tive o prazer de vê-lo e ouvi-lo numa palestra em Forquilhinha, no início da década de 80, durante os últimos anos da ditadura militar, quando ainda tínhamos medo.
O prefácio de Alfredo Bosi relata como foi a escolha de Dom Paulo pelo tema da tese. Assim nos conta: “No dia de minha profissão religiosa, estava iniciando os vinte anos de vida e me perguntava como faz todo mundo: “que será de meu futuro?”. Nesse momento, me entregaram a carta de meu irmão padre, dizendo ‘dedique-se à literatura cristã dos primeiros séculos, porque você gosta de latim e grego e o Brasil precisa de informações sobre esta era tão rica e tão desconhecida”... E atirou-se a um trabalho ingente de pesquisa erudita, que começava simplesmente pela decifração das 10 mil colunas dos tomos 22 a 29 da célebre Patrologia Latina de Migne, dedicada aos textos dos primeiros cristãos.
Este depoimento me fez refletir sobre o jovem Paulo Evaristo Arns, seu potencial e as condições que o tornaram o ser humano que transcendeu a Instituição da Igreja Católica. Fico pensando sobre minha juventude, sobre como podemos nos tornar seres humanos como Dom Paulo.

4 comentários:

  1. Embora saibamos que nem todos possuem as mesmas preferências,Dom Evaristo Ams, pelo fato de ser Corintianonão, foi punido isso não significou uma punição religiosa. "excomunhão", muito pelo contrário, mesmo assim acchou uma forma de passificar as coisas, pois acho mesmo que deveria ser 'Tigre"....Quero parabenizar pelo excelência do texto, representativo num formato bastante prazerozo, como sempre pontuas!
    Abraços
    Luiz

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    1. Oi Luiz. Obrigado pelas palavras carinhosas sobre o texto e pelo humor futebolístico. A idéia é promover o conteúdo do livro que trata das tecnologias de comunicação que existiam no Século III, seus materiais e como eram utilizadas pelos pensadores Cristãos. Também indicar o processo de produção intelectual que envolvem práticas como copiar, traduzir, ditar, rascunhar em torno da feitura da Vulgata e os valores que se estabelecem nesse processo que envolvem decisões tão humanas que permanecem há 1700 anos conctituindo o hábito de estudar, independente do desenvolvimento tecnológico. E D. Paulo, esse ser humano tão especial e singular que escreveu sobre isso na juventude, abordando a técnica do livro e as tecnologias que envolveram sua inscrição como veículo principal de comunicação. Junto a isso divulgar os meandros do processo da escrita, da tradução, do debate sobre a composição não somente da Vulgata referência para a Bíblia de hoje, mas de todo processo que envolve a elaboração do pensamento pela escrita. Desde a idéia até as tecnologias que a materializam.

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  2. Este é o típico achado raro de uma boa e interessante leitura que meu colega Ricardo pronuncia, ja um verdadeiro "garimpeiro" da história! Um verdadeiro tratado da "evolução do conhecimento", rico em detalhes e cheio de protagonistas ilustríssimos! O tempo é correlato ao avanço das conquistas, mas ele não deforma o ímpetuo humano do saber, da propagação do conhecimento e das transformações inerentes! Até os "piratas" da informação, tão ricamente relatado no texto, parece nos mostrar que o espírito humano tem sede de conhecimento e notoriedade e transcendem ao tempo, tantos de ontem serão os de amanhâ, de alguma forma. Mas o conhecimento não para, vislumbra! Parabens Ricardo, texto tão prazeroso quanto o vídeo o buraco no muro!

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    1. Oi Márcio. Obrigado pela avaliação positiva do texto. Como você escreve tem coisas que são inerentes a busca pelo conhecimento e porque não dizer a produção de conhecimento. É bom sermos vislumbrados com o conhecimento pois nele habita possibilidades infinitas. Um abraço.

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